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Era 2017, e eu tinha 20 anos. Naquela época, eu andava meio rebelde e senti que precisava de uma mudança. Decidi sair de Canoas, no Rio Grande do Sul, e me aventurar em Caxias do Sul, na serra gaúcha, para trabalhar na colheita e fugir do agito da cidade. Passei algum tempo no interior, mas depois acabei indo para o centro de Caxias, a área urbana.

Aluguei um quarto em um pensionato bem antigo. Desde o primeiro dia, senti uma energia estranha e pesada naquele lugar. Claro, o frio da serra é cortante, mas aquele ambiente parecia congelar a alma. O quarto era úmido, com uma lâmpada incandescente que lançava uma luz fraca e sombria. Os moradores eram, no mínimo, peculiares: a maioria era composta por pessoas mais velhas, aposentadas, que viviam de cachaça e, talvez, algumas substâncias que eu nem quis descobrir.

Depois de uma semana, comecei a notar algo na janela do quarto, que era do tipo veneziana, mas com duas frestas de madeira faltando. Como o quarto ficava alto demais para alguém espiar de fora, não dei muita importância. Até que, na noite do sétimo dia, ao me deitar de barriga para cima e apagar as luzes, algo estranho aconteceu.

Não sei se eu estava dormindo ou apenas num estado de transe, mas, de repente, vi um rosto sinistro aparecer entre as frestas da veneziana, observando-me em silêncio. Era como se eu estivesse paralisado, incapaz de me mover ou gritar. A figura usava óculos escuros, mas, de algum jeito, tirou-os devagar e revelou olhos vermelhos, que pareciam se aproximar cada vez mais. A sensação era horrível, como se ele estivesse sugando a minha vida, e eu sentia uma fraqueza crescente.

Foi então que lembrei de algo que minha tia Carmen – uma evangélica amorosa, de quem eu sempre gostei muito – costumava me dizer: “Não importa o caminho que você escolha, mas nunca deixe de pedir a Deus para não perecer sem salvação.” Naquele momento, foi o que fiz. Com todas as minhas forças, comecei a orar, repetindo: “Não me deixe perecer sem salvação.”

Enquanto eu rezava, senti um pequeno impulso de força e consegui mover os braços o suficiente para fazer o sinal da cruz. Assim que fiz isso, o espírito ou seja lá o que fosse desapareceu da janela, e eu pude me levantar, correr até o interruptor e acender a luz. Abri a janela e olhei para fora. Não havia nada lá. Só o frio da noite e a altura vertiginosa.

Aquela foi uma noite em que dormi com as luzes acesas. Lembro que estava passando por um momento de transição na vida – largando festas, bebidas e velhas companhias para tentar algo diferente e crescer. Foi justo quando decidi sair dessa escuridão que, ao que parece, o inimigo veio me atacar.

Hoje, sou umbandista, mas acredito que o meu Deus é o mesmo da minha tia, e isso me dá paz. Desde então, nunca mais passei por algo parecido.