Reprodução

Há muitos anos, em Magalhães Barata, um pequeno município do Pará, surgiu uma história que atravessou gerações, falada em sussurros pelas pessoas mais velhas. Era sobre uma jovem chamada Rosa, a filha única de um fazendeiro de café muito rígido. Sua beleza era tão encantadora que atraía os olhares de todos os homens da região, mas sua vida era controlada pelo pai, que sonhava em vê-la casada com um homem “de boa posição” e, claro, intacta de corpo e alma.

Rosa, no entanto, escondia um segredo. Durante suas cavalgadas na fazenda, conheceu Miguel, um trabalhador de uma serraria próxima. Ele era casado, mas isso não impediu que um romance proibido florescesse entre os dois. Promessas vazias de Miguel e a paixão intensa de Rosa a levaram a cometer atos que sua família jamais poderia imaginar.

Quando Rosa descobriu estar grávida pela primeira vez, desesperou-se. Temia o escândalo e a ira do pai. Foi então que procurou uma benzedeira, que lhe entregou uma raiz abortiva para consumir e se livrar do problema. O rio da fazenda tornou-se testemunha silenciosa de sua dor, enquanto Rosa consumava os abortos com lágrimas no rosto.

Na terceira gravidez, o destino foi cruel. Ao tentar novamente livrar-se do fardo, Rosa errou na dose da raiz e foi encontrada morta sob uma velha ameixeira, na margem do rio. A cidade murmurava sobre sua morte, mas ninguém sabia a verdade até que o sobrenatural começou a rondar as estradas.

Algum tempo após seu enterro, moradores começaram a relatar encontros terríveis: à meia-noite, gritos ensurdecedores ecoavam, acompanhados por labaredas que dançavam acima das árvores. Ninguém se atrevia a passar pelas encruzilhadas, até que um pescador teimoso, João — seu bisavô — decidiu desvendar o mistério.

Com um grupo de corajosos, João embrenhou-se no mato à espreita. Quando a meia-noite chegou, ouviram os gritos e viram o fogo se aproximar. O som era tão aterrador que muitos fugiram, mas João permaneceu. Primeiro veio o demônio de fogo, uma criatura monstruosa cujos gritos liberavam labaredas gigantes. Assim que o inferno vivo desapareceu, surgiu uma mulher vestida de branco, caminhando lentamente.

Ela carregava duas crianças em seus braços, recém-nascidos, e seu rosto era banhado em lágrimas. Quando João percebeu que era Rosa, desmaiou. Durante seu desmaio, Rosa apareceu em sonho, pedindo ajuda. Contou que estava presa em uma penitência eterna por seus pecados e que o demônio vinha antes dela para afastar qualquer um que pudesse ajudá-la.

Ela confessou seu amor proibido, os abortos e a dor que enfrentou sozinha. Pediu que fossem rezadas sete missas em intenção de suas três crianças e dela, para que pudesse finalmente descansar em paz. Deixou, também, uma mensagem para seu pai, pedindo perdão.

João, ao acordar, foi à igreja contar tudo ao padre. A história chocou o povoado e deixou o pai de Rosa, um homem orgulhoso, em desespero absoluto. Não suportando a vergonha e o peso da culpa, ele tirou a própria vida.

As sete missas foram realizadas sob a ameixeira onde Rosa morreu, e muitos que participaram disseram ouvir o choro de uma mulher e de crianças. Após isso, os gritos e as chamas desapareceram das estradas, e Rosa nunca mais foi vista.

A ameixeira tornou-se um local de respeito, onde ainda hoje, dizem, florescem frutos doces como lágrimas, e onde os ventos sopram com um lamento suave, como se a alma de Rosa finalmente tivesse encontrado a paz.

E assim, em Magalhães Barata, nasceu a lenda da Moça das Chamas e das Lágrimas, um lembrete sombrio das consequências do amor proibido e do julgamento implacável da sociedade.