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A vizinha de Laura era uma figura enigmática. Sempre envolta em trapos puídos, sua presença exalava um cheiro azedo de abandono e mistério. Ao seu redor, uma ninhada de gatos pretos a seguia, como se fossem sombras vivas de sua própria essência.

Apesar dos olhares de reprovação dos meus pais e dos cochichos da vizinhança, eu a ajudava sempre que podia. Sentia pena ao vê-la arrastando sacos pesados, cheios de comida para seus bichanos. Trocávamos poucas palavras, sempre sob o peso do cheiro forte que dela emanava, mas nunca recusei sua companhia.

Quando o inverno chegou, sua ausência se prolongou por dias, e uma inquietação cresceu dentro de mim. Resolvi visitá-la, levando um bolo de laranja, chá quente e ração para seus gatos. Bati à porta e uma voz fraca respondeu:

– Entra, menina… Não consigo me levantar.

Lá estava ela, estendida num sofá imundo, a pele pálida como cera, os olhos fundos como poços sem fundo. O cheiro do cômodo era quase insuportável, mas resisti.

– Obrigada por vir – murmurou, segurando minha mão com dedos ossudos e frios.

Fiz companhia a ela, alimentei os gatos e prometi voltar. Quando me preparava para sair, ela me chamou com um brilho misterioso nos olhos.

– Quero te dar um presente…

Remexendo entre suas roupas, retirou uma pequena garrafinha com um líquido que reluzia como ouro derretido.

– Você sempre foi boa para mim. Isto é um dom precioso… e uma maldição. Algumas gotas na água e quem te incomodar se transformará em gato. Mas há uma condição: você deve cuidar do gato até sua morte, ou ele voltará a ser humano… e será você quem se tornará um gato no lugar dele.

Peguei o frasco, incrédula, e fui embora. Naquela noite, observei o líquido reluzindo no vidro e, embora relutante, escondi-o. No dia seguinte, fui visitá-la novamente. Sua casa estava vazia. No sofá, apenas um gato preto jazia inerte. Quando o toquei, percebi que estava morto. Enterrei-o com cuidado, esperando que minha vizinha retornasse. Mas ela nunca voltou.

Os dias passaram, os gatos desapareceram um a um, e o mistério permaneceu. Até que, um mês depois, meu olhar recaiu sobre a pequena garrafa esquecida. A curiosidade queimou dentro de mim. A velha teria dito a verdade?

Escolhi minhas “primeiras vítimas” com frieza e precisão. E então, testei.

Funcionou. A transformação foi instantânea.

Agora, mamãe e papai ronronam ao sol, junto com meu irmão.

Amanhã, trarei mais companhia.

Afinal, até que eles ficam bem melhores assim.