Reprodução internet

João da Silva tinha 50 anos e levava uma vida que mal se podia chamar de vida.
Morador de uma favela de Porto Alegre, fazia bicos como encanador, eletricista, pintor ou faxineiro de pátios. Solteiro, três casamentos fracassados e filhos com a primeira esposa, com quem não falava havia décadas. Os poucos parentes vivos moravam longe e sumidos.

Era magro, 1,67m, cabelos pretos já com fios grisalhos, barba por fazer na maior parte do tempo. Procurava pequenos prazeres em um cigarro, uma cerveja e, às vezes, uma boa refeição.

Seu ritual era simples: trabalhar, voltar para casa, se lavar, fazer a barba e ir ao bar do bairro. Lá, jantava e bebia até onde o bolso permitia, mas raramente se embriagava.

Naquela noite, sentado em sua mesa habitual, escutou um homem na mesma faixa etária resmungar sozinho. João, que nunca perdia a chance de conversar, começou a trocar queixas. No final, soltou uma frase que fez alguns olhares se virarem:

— Olha… já que Deus nunca me ajudou, quem sabe uma prosa com o diabo, um dia desses, não me faria bem?

Deixou o bar rindo sozinho, mas o riso morreu na garganta quando, na rua mal iluminada, viu uma mulher vindo em sua direção.

Vestido vermelho justo, corpo esbelto, pele clara, cabelos pretos lisos sobre os ombros, salto alto que ecoava na calçada. Ela parecia ter saído de outro mundo — ou de outro nível social.

Parou diante dele.
— Boa noite — disse com uma voz tão suave que parecia deslizar pelo ar. — O que você seria capaz de fazer para ter, sempre que quisesse, alguém como eu?

— A essa altura da vida? Qualquer coisa, moça.

— Trocaria “qualquer coisa” por riqueza?

— E o que eu teria para trocar?

— Sim ou não? — insistiu, encarando-o com olhos que pareciam brilhar na penumbra.

— Sim… até minha alma, se fosse possível.

O sorriso dela foi lento.
— Lembrará de mim em três dias. Boa noite.

E desapareceu na escuridão.


Naquela noite, uma dor de cabeça começou a latejar atrás dos olhos de João. Procurou remédios com três vizinhos, conseguiu apenas um analgésico que aliviou por instantes. Incapaz de dormir, vagou pela madrugada até encontrar uma farmácia. Comprou o medicamento mais forte que o balconista indicou, gastando quase o último centavo.

Tomou dois comprimidos ali mesmo. Voltou para casa a pé. Dormiu pouco, acordou pior. Sem pensar, engoliu os oito comprimidos restantes. O sono pesado durou horas. Ao despertar, a dor voltou ainda mais violenta.

Sem dinheiro, recorreu aos vizinhos. Um deles se ofereceu para levá-lo ao posto de saúde. Lá, foi medicado via soro, mas a combinação com os remédios já ingeridos o fez entrar em choque anafilático. Desmaiou e foi transferido para um hospital universitário.


Quando abriu os olhos, imaginou ter dormido apenas alguns minutos. Ao lado, um médico elegante se apresentou:
— Bom dia, senhor João. Eu sou o doutor Humberto. Como se sente?

— Bem melhor… o que aconteceu?

— O senhor tem uma doença rara. Sem o medicamento correto, pode ter convulsões e morrer em qualquer momento. O SUS não reconhece essa condição, mas tenho uma proposta:

O médico explicou que João seria tratado gratuitamente numa ala particular. Em troca, deveria comparecer todos os dias, na mesma hora, inclusive em domingos e feriados, mantendo sigilo absoluto. Pelo compromisso, receberia R$ 100 mil por mês. No dia seguinte, ao assinar o contrato, receberia R$ 50 mil adiantados.

— Aceita? — perguntou Humberto.

— Mas é claro, doutor!

— Amanhã, a enfermeira-chefe Ainômed trará o contrato. É um nome estranho, filha de estrangeiros.


Na manhã seguinte — o terceiro dia — João acordou bem, tomou um café da manhã de hotel cinco estrelas e se vestiu para sair. Ao chegar à enfermaria, encontrou a tal enfermeira-chefe.

Sorriso impecável. Olhos intensos. Vestia vermelho.

João sentiu um arrepio. A semelhança com a mulher da rua era absurda.

Assinou o contrato sem pensar duas vezes. Recebeu a confirmação da transferência bancária.

Antes que ele fosse embora, ela disse, quase sussurrando:
— Não esqueça de estar aqui mais tarde, e todos os dias… até o fim.

— E quando será o fim do tratamento? — perguntou, tentando sorrir.

O olhar dela não piscou.
— Ah… o doutor não contou? Seu tratamento deve durar de três a seis meses. Depois disso, a medicação — um coquetel à base de morfina e outras substâncias — não será mais necessária. Você já terá partido.

João sentiu o chão sumir sob seus pés. Ela se inclinou e completou, em voz baixa, como se falasse apenas para ele:

— E lembre-se… Ainômed, de trás para frente, é Demônia.