Madrugada de 15 de abril de 1912.
O mar do Atlântico Norte rugia sob um frio cortante. O último bote do RMS Titanic descia lentamente para a água negra, carregando um pequeno grupo de mulheres da Terceira Classe — rostos pálidos, roupas encharcadas, olhares perdidos entre o medo e a esperança.
Já a certa distância do colosso que se partia ao meio, as brumas começaram a se dissipar, revelando uma claridade distante — uma luz trêmula, refletida nas ondas inquietas.
— Navio à vista! Eles vêm atrás de nós! Louvado seja Deus! — gritou uma das mulheres, a mais jovem, apontando com as mãos trêmulas.
As demais se levantaram, agitadas, com os olhos fixos no horizonte. Por um instante, acreditaram que o pesadelo estava chegando ao fim. Mas a esperança logo se transformou em desespero: o navio não vinha ao encontro delas… estava se afastando.
Era, talvez, o SS Californian, aquele que não respondeu aos apelos do Titanic.
As náufragas, atônitas, viam sua salvação desaparecer na escuridão.
O silêncio foi interrompido por um som distante, como um rangido antigo vindo das profundezas. Quando olharam novamente, viram algo impossível: uma velha embarcação, avançando lentamente pelo nevoeiro.
Não era um navio moderno — era uma caravela antiga, de velas rasgadas e madeira tomada por moluscos. As ondas batiam em seu casco carcomido, mas ele parecia deslizar sobre as águas, como se não tocasse o mar.
Elas gritaram por socorro. Nenhuma resposta.
Quando a embarcação se aproximou, puderam ver os tripulantes — ou o que restava deles. Eram figuras esqueléticas, caveiras cobertas por trapos de marinheiros de séculos passados, imóveis, olhando fixamente para o bote.
O ar se tornou pesado. Um nevoeiro espesso envolveu tudo.
E então, o navio desapareceu.
As mulheres gritaram, algumas rezaram, outras ficaram em silêncio absoluto.
Mas o horror estava apenas começando.
De repente, o céu acima delas se encheu de vultos negros — sombras humanas flutuando sobre as águas, vindo da direção do Titanic que ainda agonizava. Moviam-se rápido, cruzando o ar em silêncio, como almas perdidas em busca de abrigo.
O bote tremia. O medo era tanto que algumas começaram a chorar, pedindo a Deus que as levasse.
Sem saber o que fazer, decidiram remar de volta em direção ao naufrágio, acreditando que, se houvesse resgate, ele começaria por lá. Lutaram contra o mar congelante, enquanto o Titanic afundava por completo, engolido pelo abismo.
Quando se aproximaram, o mar estava coberto de corpos — centenas deles, boiando entre destroços. Gritos ainda ecoavam ao longe, entrecortados por um silêncio de morte.
O espetáculo era indescritível: vidas e sonhos dissolvidos nas águas frias, e, por cima de tudo, um céu imóvel, testemunha muda da tragédia.
Por longos minutos, o mundo pareceu parar.
Até que, subitamente, um apito soou ao longe — seguido de uma lanterna cortando a escuridão.
— Luz! Luz! É o resgate! — gritou uma delas, com voz embargada.
Era o Carpathia, chegando às 4h10 daquela manhã.
As mulheres foram recolhidas e levadas junto aos outros sobreviventes.
Das 709 pessoas salvas, apenas 174 eram da Terceira Classe.
Elas estavam entre elas — exaustas, tremendo, e com o olhar vazio de quem viu o impossível.
Mais tarde, nos hospitais, todas contaram a mesma história.
Nenhum médico acreditou.
Disseram que fora alucinação coletiva, produto do pânico e do frio extremo.
Mas elas sabiam o que viram.
Sabiam que o navio que se ergueu das brumas não pertencia mais ao mundo dos vivos.
Guardaram silêncio pelo resto da vida.
Contaram apenas a seus filhos — e seus filhos, aos netos.
E assim, entre as sombras e o sal do Atlântico, o relato das Assombradas do Titanic sobreviveu.
Dizem que, em noites frias de abril, quando o mar está quieto e o nevoeiro se ergue, a velha caravela ainda pode ser vista navegando nas mesmas águas…
esperando pelos que o oceano nunca devolveu.



