Desde criança, Helena Duarte crescera sonhando com seu próprio conto de fadas. Pelas ruas tranquilas e arborizadas de Londrina, ela imaginava o dia em que caminharia pelo corredor de uma igreja iluminada, sentindo o coração pulsar com a promessa de um “para sempre”.
Quando conheceu Eduardo Vasconcelos — herdeiro de uma das famílias mais antigas de Curitiba, dono de um charme discreto e de um sorriso que parecia iluminar até os dias nublados — ela acreditou que finalmente havia encontrado seu destino. O romance foi rápido, intenso, quase vertiginoso. E quando ele pediu sua mão, Helena aceitou acreditando que a felicidade a aguardava logo adiante.
O casamento, realizado na histórica Igreja do Rosário, parecia saído de um sonho. Centenas de velas tremulavam como pequenas estrelas; os vitrais lançavam cores suaves sobre o vestido de Helena. Tudo era tão perfeito que ela mal conseguia respirar — mas algo dentro de Eduardo a inquietava.
Ele sorria… mas nunca por tempo suficiente.
Ele a olhava… mas sempre parecia pensar em outro lugar.
A Mansão e a Ala Norte — Onde o Silêncio Morava
A primeira noite na imensa Casa Grande dos Vasconcelos deveria ser o início de uma vida compartilhada. Mas o ar ali era frio, pesado, como se as paredes guardassem histórias demais.
Eduardo foi gentil — sempre gentil — mas distante. Alegou cansaço, compromissos, deveres. Dormiu em outra ala da mansão, deixando Helena sozinha em um quarto grande demais para apenas um coração.
Com o passar dos dias, coisas estranhas começaram a acontecer:
- A ala norte permanecia sempre trancada.
- Os empregados desviavam o olhar quando ela questionava.
- À noite, a casa parecia… suspender o ar.
- E às vezes, alguém sussurrava baixinho.
Uma voz suave. Jovem. Quase infantil.
Uma voz que só dizia:
“Alguém me escuta?”
Eduardo, sempre que questionado, fugia:
— “Não se preocupe, minha querida. Depois conversamos.”
Mas ele nunca conversava.
Quando a Voz Chamou Seu Nome
Era madrugada. O vento arranhava as janelas. Helena, incapaz de dormir, ouviu o sussurro mais nítido que já chegara aos seus ouvidos:
— “Por favor… alguém me escuta?”
A voz vinha de algum ponto atrás da antiga biblioteca — um cômodo tomado por cheiro de madeira velha e jasmim esquecido. Ao tocar uma estante alta, Helena sentiu um mecanismo oculto ceder. Um painel abriu-se devagar, revelando uma passagem estreita envolta em ar úmido e frio.
No final do corredor secreto havia uma porta de cedro, trancada com ferrolhos antigos.
E atrás dela… alguém respirava. Ou parecia respirar.
— “Tem alguém aí?” — Helena sussurrou.
Silêncio. Depois, uma voz frágil:
— “Meu nome é Luna… e eu não posso sair.”
O coração de Helena parou por um instante.
Eduardo… estava escondendo alguém.
Mas havia algo estranho na voz daquela jovem.
Algo leve demais.
Algo impossível.
A Menina de Voz de Vento
No dia seguinte, Helena voltou. Conversou com Luna por longos minutos, talvez horas. Luna contava fragmentos de sua vida, lembranças desconexas, medos que pareciam antigos demais.
E então, entre uma frase e outra, Helena percebeu:
Luna não respirava.
Luna não suspirava.
Luna não fazia barulho ao se mover.
Sua voz não parecia vir de um corpo.
Parecia vir do próprio ar.
Luna era um eco. Um pedaço de memória preso entre paredes.
E, em certo momento, ela perguntou com doçura triste:
— “O Dudu… ele ainda acha que eu posso voltar?”
“Dudu.”
O nome que uma irmã daria.
A Verdade Que Eduardo Carregava
Naquela noite, Helena encontrou Eduardo parado diante da porta de cedro. Ele não estava bravo. Nem surpreso. Ele parecia… quebrado.
— “Eu tentei te poupar…”, disse, com a voz falhando.
— “Ela era minha irmã. Minha pequena. Minha Luna.”
Ele contou tudo.
Anos antes, Luna havia morrido em um acidente. Eduardo nunca aceitou. A ala norte foi transformada num santuário congelado no tempo. Ele acreditava — esperava — que talvez um dia ela chamasse por ele.
Mas quando os sussurros começaram, Eduardo fugiu.
Não teve coragem de escutar.
Com mãos trêmulas, ele destrancou a porta.
A Despedida Que Libertou a Casa
A sala era simples, iluminada por uma claraboia. E ali, no centro, estava Luna.
Não em carne e osso.
Mas em luz.
Seu corpo brilhava como a lua refletida na água.
Ela sorriu ao ver o irmão — um sorriso cheio de amor e despedida.
— “Está tudo bem, Dudu… agora eu posso ir.”
A claraboia deixou entrar um sopro de vento.
Luna ergueu-se devagar, dissolvendo-se em pequenas partículas luminosas, como pétalas levadas pela brisa.
Cada fragmento iluminou um canto escuro da mansão.
E, por um instante, a casa inteira pareceu suspirar em alívio.
Quando a luz se apagou, o silêncio que restava não era mais pesado.
Era paz.
O Último Sussurro
Enquanto Helena observava a claridade se desfazer, sentiu um toque leve em seu ombro — como uma pluma.
E ouviu:
— “Obrigada por me ouvir.”
Desde aquela noite, nunca mais houve sussurros.
Mas às vezes, quando o vento brinca pelas árvores do jardim, Helena jura ouvir uma risada suave.
E sabe — no fundo da alma — que Luna encontrou seu caminho.
Porque o amor verdadeiro não desaparece.
Ele não morre.
Ele apenas muda de forma.



