Havia, às margens de uma importante rodovia que cortava o interior do país, uma pequena cidade envolta por extensas florestas.
Nela, quase todos conheciam — ou, pelo menos, achavam que conheciam — a misteriosa Selma, uma mulher de aparência jovem e enigmática que raramente era vista entre os moradores.
Ninguém sabia de onde ela viera. Diziam que, certa manhã, simplesmente apareceu, morando sozinha numa velha choupana escondida na mata, a poucos metros da estrada.
Era bonita, de traços orientais, pele muito clara e cabelos longos de tom avermelhado que pareciam brilhar sob o luar. Apesar da delicadeza, havia algo em seu olhar que fazia o coração dos curiosos estremecer.
Homens e até algumas mulheres que tentaram se aproximar dela desapareceram ao longo dos anos. Nenhum corpo, nenhum vestígio. Apenas o vento, levando rumores de que Selma não era deste mundo.
🌧️ A noite do viajante
Numa noite chuvosa, um viajante chamado Marcos dirigia pela rodovia, voltando de uma viagem de negócios. O relógio marcava quase meia-noite quando o motor de seu carro morreu de repente.
Sem sinal de celular e com a chuva castigando o asfalto, ele viu uma luz pálida entre as árvores — parecia vir de uma casa.
Com a roupa encharcada, caminhou até a porta e bateu.
A surpresa foi mútua:
Selma o observou com olhos curiosos, vestida apenas com trajes escuros que realçavam sua pele quase translúcida.
— Desculpe incomodar, meu carro quebrou e não tenho sinal no celular. — disse Marcos, tremendo de frio.
— Não tenho telefone, mas entre. A chuva logo vai passar. — respondeu ela, com um sorriso enigmático.
Dentro da casa, havia uma lareira acesa e uma mesa de madeira rústica. O cheiro de vinho doce se misturava à fumaça da lenha.
— Mora sozinha aqui? — perguntou ele.
— Sim. Gosto assim. Quer uma taça de vinho para se aquecer?
Enquanto ele bebia, Selma se aproximava lentamente, deixando-o sentir o calor de sua presença.
— Não tem medo de viver aqui sozinha? — ele insistiu.
— Medo? — ela sorriu. — Eu sei me defender… e, às vezes, gosto de ser “importunada”.
Os olhares se cruzaram. A tensão entre o medo e o desejo tomou conta do ambiente. E a chuva, lá fora, serviu de trilha sonora para o que se seguiu.
🕯️ O preço do prazer
Uma hora depois, Selma o despertou suavemente.
— A chuva passou. A cidade fica a uns quinze minutos daqui. Se quiser, pode ir.
— Está bem… — respondeu Marcos, sonolento.
Ela o acompanhou até a sala.
— Antes de sair, aceite mais uma taça de vinho.
Ele sorriu, aceitou. Não notou quando ela virou de costas e acrescentou um pó fino e inodoro à bebida.
— Sente-se um pouco, alguns minutos não farão diferença. — disse ela, com voz doce.
Assim que o vinho desceu pela garganta, Marcos começou a sentir um estranho torpor. Seus olhos se arregalaram. O corpo se desfez em uma espessa fumaça escura que subiu, rodopiando pelo ar.
Selma abriu a boca e aspirou cada fragmento daquela névoa, como se inalasse a própria alma dele.
Diante do espelho, ela sorriu.
— Delicioso… é o que eu chamo de “comer literalmente”. — murmurou. — Mais trinta anos de juventude garantidos, danada.
☀️ O mistério
Na manhã seguinte, a Polícia Rodoviária encontrou o carro abandonado no acostamento.
Fizeram buscas na floresta, vasculharam a velha casa — nada. Nenhum sinal de luta, nem pegadas, nem sangue.
A cidade voltou à rotina, mas os moradores sabiam: aquele era apenas mais um nome na lista da bruxa da rodovia.
Às vezes, à noite, viajantes juram ver uma mulher à beira da estrada, linda, misteriosa e de olhar convidativo.
Dizem que, se você aceitar o vinho dela, nunca mais será visto.
Porque, afinal…
algumas coisas têm explicação — outras, não.



