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Depois de anos vivendo em apartamento, tomei uma decisão: era hora de mudar. Meses após a trágica perda de minha esposa, Carol, em um acidente, senti que eu e meus filhos precisávamos de um novo começo. Thomas, de 12 anos, Mary, de 10, e Leninha, de 8, mereciam um ambiente diferente, um lugar que não carregasse tantas lembranças.

Coloquei nosso apartamento para alugar e, na mesma imobiliária, encontrei uma casa em um bairro simples, mas acolhedor. Era uma construção antiga, espaçosa, com três quartos e um longo corredor que interligava os cômodos. O banheiro ficava ao fundo, seguido pela cozinha ampla, rebaixada por três degraus. Uma porta de vidro com grade levava ao pequeno pátio, onde uma lavanderia e um espaço de estar se acomodavam entre muros altos e árvores frondosas.

A casa tinha sua peculiaridade: o forro de madeira contrastava com a solidez das paredes de alvenaria. Na frente, uma grade cercava o quintal, garantindo espaço para um carro. Os quartos se alinhavam pelo corredor: o primeiro seria o meu, seguido pelo das meninas e, por último, o de Thomas. Para nos ajudar na adaptação, minha irmã Denise, solteira e desempregada, viria no dia seguinte. Ela sempre teve ótima relação com os sobrinhos e, para ajudá-la financeiramente, combinei de pagar-lhe um salário mínimo.

Mudamo-nos em uma sexta-feira. Com o fim de semana livre, esperava me adaptar antes de retornar ao trabalho na área de Tecnologia da Informação. Mas, naquela primeira noite, a casa começou a revelar seus segredos.

O silêncio que tanto ansiava logo foi quebrado. No meio da madrugada, ouvi um barulho ritmado vindo dos fundos, como madeira sendo arranhada. Levantei, atento, e percorri os cômodos. Nada.

De volta à cama, peguei um espeto de churrasco e o coloquei ao lado, como precaução. No instante em que me preparava para dormir novamente, ouvi passos no corredor. O coração disparou. Levantei de súbito e conferi mais uma vez. Nenhum sinal de invasores.

Assim que deitei, novos ruídos ecoaram pelo teto. Talvez gatos. Resolvi esperar. O barulho cessou. Suspirei, aliviado, mas logo vieram passos do lado de fora, no corredor estreito ao lado da casa. Peguei o celular, ativei a lanterna e saí com cuidado. Vasculhei o quintal. Nada.

O sono venceu minha inquietação e acabei dormindo. Pela manhã, papai trouxe Denise, que chegou animada, trazendo suas mochilas. As crianças acordaram com o barulho e, depois de um café reforçado, correram para o quintal. Logo ouvi os gritos empolgados de Mary:

– Papai, veja! Três gatinhos!

Leninha, encantada, pediu:

– Podemos ficar com eles?

Observei os felinos: todos pretos, esguios, de olhar atento.

– Devem ser de algum vizinho – respondi.

Mas eles não pareciam ter dono. As crianças alimentaram-nos com fatias de mortadela e passaram o dia brincando com os novos amigos.

A segunda noite chegou. O cansaço me dominava e, ao deitar, adormeci rapidamente. Mas, no meio da madrugada, um sonho perturbador me envolveu. A porta do quarto abriu-se devagar, uma névoa azulada espalhou-se pelo corredor e, aos poucos, uma silhueta surgiu. Era uma jovem mulher, de pele pálida, cabelos longos e um vestido negro de festa, que lembrava tempos antigos. Ela me olhou sem dizer nada e desapareceu.

Acordei suado. Apenas um pesadelo? Tentei esquecer.

Na manhã seguinte, as crianças correram para fora e gritaram:

– Papai, há mais gatinhos!

Agora eram seis.

Contei a Denise sobre o sonho. Ela, sempre espiritualizada, refletiu:

– Mauro, pode ser uma presença espiritual. Você trabalha com computadores, aparelhos magnéticos. Talvez tenha atraído algo.

No terceiro sonho, a aparição falou comigo:

– Alguns estão comigo. Outros me sentem. Esta casa sempre foi deles.

Cercada pelos gatos, ela me conduziu até o quarto das meninas. Antes de desaparecer, sussurrou:

– Se ela não fosse sua irmã…

Denise ouviu meu relato e concluiu:

– Mauro, acho que essa fantasma te deseja. Se eu não fosse sua irmã, ela talvez tentasse me usar para se aproximar de você.

Nos dias seguintes, investigamos a história da casa. Denise trouxe respostas inquietantes:

– Há cinquenta anos, aqui viveu Laura, filha única de um casal. Ela amava gatos e, após os vinte anos, adoeceu misteriosamente. Definhou sem explicação até morrer aos 25. Os pais seguiram o mesmo destino, e a casa ficou para herdeiros que apenas a alugam. Pelo que entendi, você é o primeiro homem livre que entrou aqui. Ela parece estar presa, e você a atrai.

Parei por um instante, observando as crianças brincarem com os gatos. Lembrei dos sonhos. Laura não parecia ameaçadora.

– Não quero expulsá-la. Esta casa era dela. Além disso, os gatos fazem bem às crianças.

Denise ponderou:

– Se nada fizermos, ela ficará com você. Isso pode impedir que se envolva com outra mulher viva. Não sei como Carol reagiria a isso, caso consiga visitá-lo um dia.

Suspirei. Já não sabia se queria afastar Laura. Talvez, sem perceber, eu já estivesse me apegando à sua presença. Afinal, não era um fantasma qualquer. Era um amor esquecido pelo tempo, que apenas queria existir novamente.