Era uma noite fria, típica de Curitiba, em meados de 2016. A casa onde morávamos tinha uma atmosfera peculiar, como se carregasse histórias demais para suas paredes já desgastadas. Cada tábua do chão rangia como um lamento, e o cheiro de mofo parecia um lembrete constante de que ali não havia somente memórias humanas, mas também algo… além.
Eu estava sozinho, com o notebook sobre a mesa da sala. Na tela, o sombrio mundo de Berserk desenrolava-se em imagens e palavras. O silêncio da casa, que antes era um alívio, começou a pesar. Quando cheguei à parte em que Griffith se transforma em Femto, a tensão nas páginas parecia se manifestar ao meu redor. Foi quando ouvi aquela risada. Grave, gutural, como um rugido distorcido pelo próprio inferno. Ela ecoou do meu quarto, onde a parede infestada de cupins parecia uma ferida aberta na estrutura da casa.
Meu coração quase parou. Não era uma risada qualquer. Era algo que não pertencia a este mundo. Senti minhas pernas fraquejarem, mas a adrenalina me fez correr para fora. Bati desesperadamente na porta da vizinha, Dona Teresa. Ela me recebeu com sua presença tranquilizadora, o terço balançando em suas mãos enquanto ela dizia: “Vamos, filho, vamos ver isso juntos.”
Quando entramos, a tensão parecia uma entidade própria. Dona Teresa rezava em voz alta, mas o silêncio da casa era ainda mais ensurdecedor. Não encontramos ninguém, é claro. Mas a sensação de algo observando persistia. Naquela noite, dormi no sofá dela, protegido por sua fé inabalável.
A segunda experiência não foi menos terrível. Desta vez, estava assistindo Netflix quando um choro ecoou pelo corredor. Não era um choro comum. Parecia o lamento de um bebê, mas distorcido, como se viesse de um lugar profundo e errôneo. Fui novamente à casa de Dona Teresa. Esperei meus pais voltarem, e juntos, com Dona Teresa liderando, fizemos uma defumação pela casa. Sua voz firme entoava orações enquanto a fumaça do incenso preenchia os cômodos. Por um tempo, as coisas pareceram se acalmar.
Mas no dia da mudança, a casa deu sua despedida final. Enquanto limpávamos e empacotávamos, tirei algumas fotos do local, como recordação de um período difícil. Quando revi as imagens, uma em especial gelou meu sangue. No banheiro, onde não havia espelhos ou reflexos próximos, a câmera capturou a silhueta de um homem. Ele tinha bigode e uma ferida aberta na testa, como se estivesse ali, observando. Não era pareidolia. A figura estava nítida, mas translúcida, flutuando entre o mundo dos vivos e dos mortos.
Infelizmente, essa foto se perdeu com o tempo, mas o que ela mostrava ficou gravado na minha mente. Algumas coisas não podem ser explicadas, e talvez nem devam ser. O que sei é que aquela casa carregava seus próprios segredos e que, felizmente, os deixamos para trás.
Acredite se quiser. Para mim, aquelas noites nunca serão apenas histórias. Elas foram reais, tão reais quanto os sussurros que ainda parecem ecoar na minha memória.