Dizem que toda rua tem sua fofoqueira. A nossa tinha Maria Tereza. Mas ela não era qualquer uma — era uma instituição. Um evento. Um vendaval de veneno com batom vermelho e chinelo de dedo.
Ela não passava despercebida. Onde chegava, o ar mudava. Tinha aquela risada seca, de quem já viu de tudo e julgou o dobro. A língua dela era navalha, e ela usava com prazer.
Amava o caos. Não escondia. Pelo contrário, cultivava. Se o vizinho gritava com a mulher, ela puxava a cadeira e dizia:
— Agora sim, começou meu dia.
Filmava tudo. Narrava no grupo do WhatsApp. Era uma cronista da tragédia alheia.
Ela dizia:
— Se for mentira, melhor ainda. Verdade tem limite, mentira voa.
E a gente ria. Porque era mais fácil rir do que encarar a maldade disfarçada de piada.
Tudo era festa… até chegar a moça nova.
Linda, na dela. Um silêncio que incomodava mais que grito. Não sorria muito. Não respondia às gracinhas. E isso bastou. Maria Tereza farejou o mistério e inventou um escândalo.
Disse que a moça era amante de um homem casado. Que tinha filho escondido na cidade vizinha. Disse com tanta certeza que parecia testemunha. E como sempre, todo mundo acreditou. Afinal, se foi a Tereza que falou, é porque tem verdade ali — ou pelo menos, um espetáculo.
A moça sumiu. Sem choro, sem despedida. Sumiu como se nunca tivesse existido.
E foi aí que as coisas começaram a virar.
Tereza passou a ouvir barulhos. Batidas secas nas paredes. Vozes abafadas vindo do espelho. Risadas que não eram dela ecoando nos corredores.
Contava tudo entre risos nervosos:
— Deve ser cansaço… ou alguma dessas coisas que a gente não entende, né?
Mas o rosto dela dizia o contrário. Já não dormia. Já não comia. Olhava por cima do ombro até no banheiro.
Começou a ver a moça. De canto de olho. Rápida. Sempre parada. Olhando.
Na feira. Na praça. Diante da casa. Sempre em silêncio.
Quando chamava alguém pra ver — já era tarde. Ela já tinha sumido.
Teve uma noite em que acordou aos gritos:
— Eu não matei ela! Foi só uma mentira!
E ninguém tinha dito nada. Ela gritava sozinha. Ou talvez estivesse finalmente escutando o que vinha ignorando: o peso do que plantou.
Tentaram de tudo: oração, benzedeira, pastor, padre, defumação, reforma. Nada ajudava. Porque o problema não era fora. Estava dentro. E crescia.
Num domingo abafado, saiu pra varrer a calçada. Parou no meio do caminho. Ficou olhando pra frente, como quem encontra alguém do passado — ou um espelho do próprio erro. Caiu ali mesmo. Infarto. Fulminante.
No velório, teve fila. Gente que ela ridicularizou. Gente que veio por curiosidade. Gente que só queria ver se era verdade que o mal também tem fim.
Mas teve uma mulher. Uma só. Ninguém conhecia. Entrou em silêncio. Caminhou até o caixão, colocou uma rosa no peito da morta e sussurrou bem perto:
— A língua que corta, um dia é calada. Durma, Maria Tereza.
Virou-se, caminhou porta afora, e sumiu como bruma ao sol.
Uns dizem que era a moça. Outros, que era a verdade, enfim personificada.
Eu só sei que depois disso, ninguém mais fala de ninguém aqui.
Nem bom dia se dá direito.