Era uma noite fria e chuvosa. A estrada sinuosa parecia se perder no horizonte quando, de repente, meus faróis iluminaram uma figura parada no meio do caminho. Era ela… minha ex-mulher. Fiquei paralisado, o coração batendo mais rápido. Não havia como ignorá-la. Contra minha vontade, parei o carro.
Ela se aproximou, batendo na janela com insistência, sua voz carregada de angústia:
“– Deixa-me ver as crianças!” – gritou ela.
O medo subiu pela minha espinha. Havia algo de perturbador naquela situação. O céu chorava junto com ela. Relutante, destravei a porta do carona, e ela entrou sem cerimônia. O carro ficou frio, a tensão entre nós quase tangível.
Conduzi o carro em silêncio por um bom tempo, tentando manter a calma, enquanto ela me implorava, a voz entrecortada pelas lágrimas e pelo arrependimento:
“– Eles não te querem mais!” – respondi, de uma maneira que nem eu acreditava. A verdade era dolorosa demais para ser dita. A traição, o afastamento, tudo aquilo já havia nos separado há muito tempo.
Ela chorava, os soluços preenchendo o espaço entre nós. “– Eu só quero vê-los… Eu só quero pedir perdão… Por que você não me perdoa?”
Ela não sabia que eu já tinha perdoado há muito tempo. Não era sobre o perdão. Era sobre as consequências dos seus próprios atos. Ela havia partido e, de certa forma, eu também. Não havia mais volta.
Depois de dirigir por quilômetros, virei o carro para um acostamento isolado, em frente a uma ribanceira. Desci, o som da chuva martelando o chão me trazia de volta ao momento mais sombrio da minha vida.
“– Venha!” – gritei por sobre o ombro.
Ela me seguiu, hesitante, até o local do acidente. O carro ainda estava lá, virado, os destroços enferrujados quase invisíveis na escuridão da noite. Era ali que tudo tinha acabado.
“– Você estava lá dentro. Eu não pude fazer nada para te salvar…” – comecei, a voz vacilando entre o remorso e a raiva. “– Mas o outro… ele sobreviveu. Foi assim que descobri a sua traição. Nunca contei nada para as crianças. Elas não precisavam saber…”
Ela se virou para mim, os olhos cheios de dor, mas também de arrependimento profundo. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ela correu para as árvores, desaparecendo entre a escuridão e a chuva, como um fantasma retornando ao seu lugar de descanso.
Naquela noite, antes de voltar para casa, passei pelo cemitério e deixei flores no túmulo dela. Não por amor, mas por uma estranha sensação de dever. Ela nunca mais veria os filhos, e talvez fosse esse o seu castigo eterno.
“Talvez não poder vê-los seja o preço a pagar pela traição,” pensei, ao me afastar das lápides.
Voltei para casa, onde meus filhos me esperavam. Eles não sabiam da visita fantasmagórica que eu tivera naquela noite… e nunca precisariam saber.