Na minha adolescência, visitar meus avós na fazenda era uma das minhas maiores alegrias. A propriedade ficava a poucos quilômetros da cidade, mas parecia um outro mundo — cercado de verdes intensos, ar puro e histórias sussurradas sobre o desconhecido. Era como se o tempo ali andasse mais devagar, e tudo tivesse um peso antigo, quase sagrado… ou maldito.
Num desses dias, tomado pela curiosidade típica da idade, decidi explorar a fazenda além dos limites que costumava conhecer. Andei pelos currais abandonados, por galpões empoeirados, até que cheguei a uma construção em ruínas, afastada e silenciosa. Ao me aproximar, senti o ar mudar. Um peso, um frio estranho subiu pela minha espinha. Era como se aquele lugar respirasse medo.
Mesmo assustado, a curiosidade me venceu. Entrei. O ambiente era escuro, vasto, parecia um antigo depósito de rações e ferramentas. Dei um passo. Depois outro. Ao terceiro, um grito cortou o silêncio:
— Volte! Saia daí agora!
Era meu tio. Estava me vigiando de longe e correu até mim, com os olhos arregalados e a voz trêmula.
— Que ajuda eu precisaria, estando tão perto da casa dos meus avós? — pensei.
Naquela noite, durante o jantar, criei coragem e perguntei o que havia naquele lugar. A mesa silenciou. Um silêncio denso, quase palpável. Minha avó foi a única a responder, num tom evasivo:
— É antigo demais. Pode desabar. Nunca mais vá lá.
Mas para mim, aquilo foi como acender uma chama. A proibição aguçou minha vontade de descobrir o que tanto escondiam.
No dia seguinte, esperei o momento certo. Quando todos estavam ocupados, voltei ao armazém. Entrei com o coração disparado, me esquivando dos restos de um passado esquecido. Ao chegar ao centro do galpão, reparei em algo que não havia visto antes: um alçapão, semioculto por tralhas antigas.
Com esforço, consegui abri-lo. Um cheiro de mofo e decadência escapou dali. Escadas desciam para uma escuridão mais densa que a noite. Desci três degraus. Foi o suficiente.
No breu, vi. Um vulto negro, de olhos acesos, me fitava. Um som, entre o rugido e o sussurro, saiu da criatura. Eu tremia, suava, paralisado. Por um instante que pareceu uma eternidade, não consegui mover um músculo. Então ela desapareceu, como fumaça. Caí sentado, em choque. Corri de volta à casa sem olhar para trás.
Fingi normalidade. À noite, deitei, mas o sono não veio. Na madrugada, algo — ou alguém — entrou pela janela do quarto. Aqueles olhos. Aquela presença. Encostava no cobertor, depois recuava. Estava ali. Não era sonho.
Pela manhã, não aguentei. Contei tudo à minha avó. Ela chorou. Brigou comigo. Depois contou a verdade.
Naquele porão, segundo ela, estavam aprisionados os espíritos de escravizados mortos ali, vítimas de torturas impiedosas por parte dos antigos senhores da fazenda — coronéis e capitães-do-mato que se divertiam com o sofrimento alheio. Espíritos que ali ficaram, carregados de dor, ódio e desespero.
Ela prometeu que chamaria médiuns, faria uma sessão de mesa branca para conter o mal que se libertou quando abri aquela porta esquecida. Me mandou embora, e obedeci.
Três dias depois, a notícia chegou: minha avó havia morrido, vítima de um ataque cardíaco… próximo ao armazém.
Nunca mais ouvi falar sobre a tal sessão. Nunca mais soube de alguém ter entrado lá. Mas, na minha mente, a certeza permanece: aquele espírito — ou aqueles — continuam vagando pela fazenda. Assombrando, esperando… e observando.