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Era um daqueles dias em que Helena acordava com pontadas no peito. O corpo não respondia, a força escapava entre os dedos. “Por que não posso ser como antes?”, pensava. Antes, ela era alegre, cheia de disposição. Agora, até levantar-se era um sacrifício.

Pediu ao marido, Paulo, que a levasse ao médico. Ele, sempre tão tranquilo, respondeu:
— Isso não é nada, querida. São suas manias. Precisa descansar.

O tempo passou, e as manhãs de hematomas começaram. Pequenos roxos surgiam em seu corpo sem explicação. “Talvez seja uma alergia”, dizia Paulo, sem dar muita importância. Mas Helena sentia que algo estava terrivelmente errado. A cada semana, as dores aumentavam. Seus ossos e músculos gritavam de dor, a pele parecia queimar com o menor toque.

Paulo, sempre amoroso, cuidava dela. Levava-a para a cama, dava-lhe analgésicos e massageava suas dores. Prometia que conversaria com um amigo médico, já que sabia da aversão de Helena por consultas. “Vai ficar tudo bem”, dizia ele.

Mas Helena sentia a presença da morte rondando. À noite, ela aparecia em seus sonhos, não como uma figura assustadora, mas como uma mulher de branco, uma deusa calma, vinda para buscá-la. Helena se recusava a ir. “Ainda não”, pensava.

O tempo passava, e a morte parecia cada vez mais próxima. As dores, os hematomas, o cansaço… era tudo insuportável. Paulo, no entanto, trazia-lhe chá e remédios, sempre repetindo:
— Vai ficar tudo bem.

Até que um dia, Helena ouviu algo que a deixou apavorada. Paulo, ao telefone, falava com outra mulher:
— Não se preocupe, meu amor. Tudo vai acabar em breve.

O coração de Helena apertou. “Será que ele está me matando?”, pensou. O chá que ele trazia era amargo, e ela começou a suspeitar que Paulo estava lentamente envenenando-a. As peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar. A fraqueza, as dores, o gosto amargo no chá.

Com todas as forças que lhe restavam, Helena se levantou e foi até a cozinha. Lá, encontrou um saco com um pó branco. Provou um pouco. Amargo. “Esse é o veneno”, concluiu.

Com a mente a mil, ela arquitetou uma vingança. Trocou o conteúdo do saco por bicarbonato de sódio, sabendo que, se Paulo usasse o veneno para outra pessoa, ele mesmo cairia na armadilha. Guardou o veneno em um lugar onde a polícia poderia encontrá-lo, e voltou para a cama, exausta.

Naquela noite, Helena adormeceu com a certeza de que a morte estava próxima. “Mas não sem antes levar os culpados comigo”, pensou.

Quando acordou, surpreendentemente, estava viva. Sem dor. Uma enfermeira entrou no quarto do hospital e, ao ver Helena acordada, sorriu:
— Você está bem. Sobreviveu. O médico já vem falar com você.

Helena não conseguia entender o que tinha acontecido. “Será que tudo foi um delírio?”, perguntou a si mesma. Mas logo o delegado entrou no quarto.
— Meus pêsames pelo seu marido — disse ele.

Helena ficou em choque. O delegado explicou que Paulo e sua amante tinham morrido envenenados. Ele preparou um jantar romântico usando o sal e os temperos que Helena havia trocado pelo veneno. A polícia foi chamada por uma vizinha que ouviu os gritos de dor de ambos, sangrando pela boca e olhos. Helena, por sua vez, foi encontrada inconsciente, mas ainda viva, graças à intervenção médica.

O delegado continuou:
— Paulo vinha envenenando você aos poucos. Pequenas doses, quase imperceptíveis. Mas a dose que ele e a amante ingeriram foi fatal.

Helena ficou em silêncio. Sua mente tentava processar o que havia acontecido. Paulo, o homem que ela amava, havia tentado matá-la. E, sem saber, ele mesmo tinha selado seu destino. A vingança de Helena foi consumada, e a morte levou duas almas.

Alguns dias depois, de volta à sua casa, Helena sentiu novamente a presença da morte. Desta vez, ela não a temeu. A morte lhe sussurrou:
— Ainda não é sua hora, mas você me entregou duas almas mesquinhas.

Helena apenas respondeu:
— Quando minha hora chegar, eu não resistirei.