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O primeiro contato que tive com o conceito da teoria do vale da estranheza foi entre as anotações que encontrei na residência fixa do Doutor Smith. Eu tinha sido contratado para investigar seu desaparecimento, que, segundo o contratante, já durava mais de dois meses sem nenhum contato.

Para que entendam melhor a história, vou resumir o que é a teoria do vale da estranheza. Ela tenta explicar a aversão que sentimos por coisas que imitam humanos de forma imperfeita, como robôs com feições quase humanas. A vertente que Smith estudava, porém, sugeria que essa aversão vinha de um traço evolutivo: em algum momento da nossa evolução, um predador usava mimetismo para nos atrair e caçar.

Nas anotações mais recentes de Smith, ele alegava ter encontrado algo que comprovava sua teoria. Se as informações fossem corretas, ele havia viajado para uma pequena cidade próxima a um parque ambiental cercado por montanhas imponentes.

A investigação na casa do Doutor Smith revelou pouco além de depósitos bancários substanciais feitos pela empresa que me contratou. Era evidente que havia um grande interesse em sua pesquisa. Segui as pistas até a cidade, onde fui bem recebido e consegui informações sobre Smith com uma balconista de lanchonete. Ela mencionou que ele se encontrara com dois caçadores locais, William e Marcos, e que pagara uma boa quantia para ser levado até uma caverna de difícil acesso.

Encontrei Marcos, que alegava que seu irmão William estava desaparecido. Ele contou que William e outros caçadores aceitaram guiar o pesquisador até a caverna após encontrarem desenhos antigos intrigantes. Quando perguntei por que ele não havia procurado o irmão, sua resposta ficou gravada na minha memória:

“Sabe, amigo, vocês da cidade não fazem ideia do que acontece aqui. Todos os anos, pessoas desaparecem sem deixar vestígios. Há lugares na floresta que não são feitos para humanos. Locais esquecidos pelo tempo, que escondem coisas que não devemos procurar.”

Mesmo assim, uma boa oferta financeira o convenceu a me guiar até o local. Partimos na manhã seguinte, acompanhados pelo guarda florestal Luiz, que estava de férias e decidiu nos auxiliar. A caminhada duraria dois dias. No primeiro, tudo correu bem, e acampamos ao lado de um lago. Durante a conversa ao redor da fogueira, Luiz compartilhou uma história contada por seu avô:

“Se algum dia forem a esse vale, não falem uma palavra e não confiem nos seus olhos. Se o silêncio tomar conta do ambiente, corram o mais rápido possível.”

No segundo dia, uma tempestade dificultou a jornada, estendendo-a por mais um dia. Quando finalmente chegamos ao vale, percebi um silêncio inquietante. A fauna parecia ter desaparecido. Próximo às cavernas, encontramos um acampamento bem estruturado, com barracas metálicas e equipamentos da empresa que me contratou. Eles sabiam exatamente onde procurar, mas não me informaram.

Ao investigar as cavernas, encontrei pinturas rupestres perturbadoras. Algumas mostravam animais que se transformavam em algo disforme. Uma, em especial, retratava uma figura humana se tornando uma criatura grotesca. Mais adiante, descobri um templo cercado por ossos e uma fenda escura que exalava um medo primal. Antes que pudesse explorar mais, fui forçado a retornar devido à tempestade.

Luiz estava inquieto. Marcos não havia voltado. Segundo ele, ouvira pedidos de ajuda e partira sozinho. Quando a chuva diminuiu, o silêncio foi quebrado por gritos estranhos:

“William… William… cadê você, William…”

A voz era de Marcos, mas algo estava errado. Ela soava artificial, distorcida. Luiz correu para fora ao ver uma silhueta humana. Pelas câmeras térmicas, percebemos que algo estava errado. Os braços da figura eram desproporcionais. Luiz atirou, mas, ao se aproximar, foi brutalmente atacado por um apêndice ósseo que o partiu ao meio. A criatura começou a se transformar em algo ainda mais grotesco.

Dentro do abrigo, ouvi uma voz familiar vindo da escuridão:

“Luiz, não vá lá fora… Luiz, não vá lá fora…”

Era a minha própria voz, distorcida. O medo me consumiu. Descarreguei minha arma na direção da escuridão e fugi descontroladamente. Minhas memórias dali em diante são borrões. Caí inúmeras vezes, me cortei em galhos e perdi muito sangue. Eventualmente, desmaiei e fui encontrado por campistas perto do lago onde havíamos acampado na primeira noite.

Os médicos ficaram surpresos por eu ter conseguido chegar até ali, pois meus ferimentos eram graves. Assinei um contrato de confidencialidade e fui generosamente pago pelo meu silêncio. Nunca mais voltei ao vale. Não sei se a empresa enviará outra equipe ou se abandonará a pesquisa. Só deixo um aviso:

Evitem as florestas. Alguns lugares foram esquecidos pelo tempo por um motivo.

— “O Vale da Estranheza.”