Dizem os antigos que, em tempos de muitos viajantes e vendedores ambulantes, havia um homem que cruzava os rincões do sul montado em seu cavalo baio, levando mercadorias de boteco em boteco. Era início de dezembro, uma noite de vento calmo e céu sem lua, quando ele seguia sozinho por uma estrada de chão batido, assoviando uma milonga para espantar o cansaço.
Foi então que, ao longe, uma luz miúda brilhou entre os galhos retorcidos das árvores. Curioso e meio esperançoso de encontrar abrigo, ele decidiu seguir o clarão. Conforme se aproximava, começou a ouvir o som animado de cantoria e um violão dedilhado com destreza. O cheiro de pastel recém-frito veio junto com o vento, atiçando ainda mais a fome e o desejo de um descanso.
Encontrou um galpão antigo, iluminado por lampiões e cheio de gente alegre. Assim que entrou, foi recebido com festa por um negro de calças curtas que o abraçou com força e anunciou para todos:
— Ô Damásio, toca uma moda boa que chegou visita! E tu, vivente, se serve à vontade: pastel, cachaça e alegria não faltam por aqui!
Meio sem entender, o vendedor sorriu, agradeceu e se sentiu em casa. Logo seus olhos cruzaram com os de uma moça de cabelos negros e pele alva como a lua. Ela usava um vestido azul que balançava suave com cada passo no salão. Dançaram juntos algumas marcas e, entre uma conversa e outra, ele tomou café, riu com os peões e ouviu histórias de caçadas e carreiras.
A noite passou ligeira, como só as boas noites sabem passar. Quando o galo cantou, o homem saiu para dar água ao cavalo e fumar um palheiro. Olhou para o céu que já clareava e falou consigo mesmo:
— Mas que sorte a minha! Gente boa, comida de primeira e ainda conheci uma prenda formosa que me roubou o pensamento…
Colheu uma florzinha à beira da estrada, ajeitou a cinta e voltou ao galpão, decidido a ver a moça mais uma vez.
Mas ao chegar, seu coração quase parou.
O galpão havia sumido. Não havia mais música, nem luz, nem cheiro de pastel. Só o campo vazio, tomado pelo silêncio e por um portãozinho velho que rangia com o vento.
Empurrou o portão, o som cortando o ar como navalha. Deu alguns passos e se deparou com um cemitério abandonado, tomado pelo mato alto e túmulos esquecidos.
Olhou em volta, confuso, e foi se aproximando das lápides. Uma a uma, os rostos gravados nas fotos antigas lhe pareciam familiares — eram as mesmas pessoas com quem havia estado horas antes no baile. Até que parou diante de uma sepultura com flores secas. Reconheceu, sem dúvidas, o rosto da moça do vestido azul. Lá estava ela, pálida na foto, com o mesmo sorriso gentil.
Assustado, o homem montou no cavalo e disparou estrada afora, o coração batendo descompassado, a flor ainda nas mãos.
Quando chegou à casa dos tios, mal conseguia falar. Tremia feito vara verde.
Depois de se acalmar, contou o ocorrido. Os tios escutaram em silêncio e, ao final, apenas disseram:
— Tu não é o primeiro. Outros também já dançaram nesse tal Baile dos Mortos. Ninguém sabe por quê, mas dizem que é uma chance rara dos que já se foram reviverem, por uma noite, a alegria da vida…