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Era final da década de 1970, em Santo Antônio da Platina, uma cidade pequena e silenciosa no interior do Paraná, quando algo inexplicável começou a acontecer com minha irmã, Elisa.

No início, eram apenas queixas vagas: dores que vinham e iam nos braços e nas pernas, como se algo latejasse por dentro. Mas logo surgiram os sinais visíveis. Pequenos caroços duros se moviam sob sua pele, inchaços que apareciam e desapareciam diante dos nossos olhos, como se algo vivo se arrastasse por baixo da carne. Eu ainda era criança, mas o medo que tomou conta de nossa casa era algo que até hoje consigo sentir. Elisa, tentando não assustar nossa mãe, sofria em silêncio, mordendo os lábios até sangrar.

Os médicos da região se mostraram impotentes. Em Londrina, em Cornélio Procópio, em cada hospital para onde fomos, as respostas eram sempre as mesmas: exames normais, remédios ineficazes, diagnósticos vagos. Enquanto isso, Elisa ficava mais pálida, mais fraca, e os caroços pareciam multiplicar-se, mudando de lugar como vermes inquietos.

Desesperada, minha mãe tomou uma decisão que mudou nossas vidas. Procurou por Dona Zefa, uma mulher envolta em lendas e murmúrios, que vivia em uma casinha isolada perto de Cambará. Alguns a chamavam de santa, outros de bruxa, mas todos admitiam: ela lidava com forças que escapavam ao entendimento.

A noite em que fomos até lá ficou gravada em mim como uma cicatriz. A lua cheia iluminava o caminho, mas a casa de madeira parecia mergulhada em sombras mais densas do que as da noite. O vento frio atravessava as árvores, e eu juro que ouvi sussurros quando atravessamos o portão.

Dona Zefa nos recebeu sem palavras, apenas com um aceno lento de cabeça. Seus olhos, negros e profundos, tinham a estranha capacidade de atravessar qualquer disfarce. Mandou que Elisa se deitasse numa esteira no chão. Acendeu um incenso forte, cujo cheiro amargo impregnou a sala, e começou a murmurar orações em um idioma que eu não conhecia.

De uma cesta sobre a mesa, retirou um ovo fresco. Passou-o lentamente sobre o corpo de Elisa, dos pés à cabeça, enquanto o ar dentro da casa parecia pesar mais e mais. Eu sentia arrepios subirem pelas costas, como se mãos invisíveis me tocassem. Minha mãe rezava baixinho, mas até sua voz parecia tremer.

Quando Dona Zefa quebrou o ovo dentro de um copo de vidro, o mundo pareceu congelar.

Não havia gema, nem clara. Do ovo começaram a escorrer dezenas de pequenas aranhas negras, vivas, agitadas, se debatendo na água. Elas subiam pelas paredes de vidro, tentando escapar. Minha mãe abafou um grito, levando a mão à boca. Eu quis correr, mas minhas pernas não obedeciam: era como se o medo tivesse me pregado ao chão.

Sem se assustar, Dona Zefa esmagava cada aranha com as próprias mãos enrugadas, murmurando preces mais fortes, enquanto o estalo dos corpos frágeis ecoava dentro de mim como um pesadelo do qual não podia acordar. Quando acabou, cobriu o copo com um pano e saiu até o quintal, onde enterrou tudo aos pés de uma velha figueira.

Voltando, limpou as mãos num lenço e olhou para minha mãe com uma gravidade que me fez estremecer.
— Isso não é doença — disse, em voz grave. — Foi colocado nela.

Minha mãe empalideceu.
— Colocado? Por quem?

Dona Zefa se aproximou e sussurrou algo em seu ouvido. Nunca soube o que foi dito. Só vi o rosto de minha mãe perder a cor, seus olhos marejarem, e o silêncio se instalar.

Naquela mesma noite, Elisa melhorou. Os caroços desapareceram, a febre cessou, e no dia seguinte ela corria pelo quintal como se nada tivesse acontecido.

Mas minha mãe mudou. Passou a desconfiar de todos. Recusava visitas, fechava portas que antes ficavam abertas, evitava certos vizinhos que até então eram amigos próximos. O sorriso dela nunca mais foi o mesmo: era um sorriso tenso, desconfiado, como se escondesse um segredo que não podia ser dito.

Elisa cresceu saudável, mas aquele episódio jamais nos deixou. Eu também aprendi algo que ainda hoje me arrepia a pele: o pior não foi ver aranhas saindo de um ovo.

O pior foi descobrir que aquele mal não vinha de longe, nem de espíritos estranhos.
Ele vinha de perto.
De alguém que nos cumprimentava todos os dias.

E até hoje, quando alguém me oferece amizade fácil demais, ou um sorriso largo demais, sempre me pergunto: o que estará escondido por trás?